Jardim Sem Limites

by Lídia Jorge | Romance | This book has not been rated.
ISBN: 9722023446 Global Overview for this book
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Journal Entry 1 by Travolta on Tuesday, December 21, 2004
O jardim sem limites ( 1995 ) de Lídia Jorge é a narração de projetos de vida de personagens- hóspedes da Casa da Arara, cenário onde se entrecruzam influências e rarefazem identidades e territórios, Dela emerge como único elemento catalizador Leonardo, o ¨static man ¨. É nesta obra que são delineados os caminhos ou ¨mapeados¨ os desejos ¨como uma floresta de dados¨.

Além disso, é importante salientar que a presença do artigo, no título, tem a função de restringir o espaço nomeado – o jardim – tornando – o específico e portador de sentidos especiais. Não é um jardim qualquer, mas ¨o¨ jardim, aquele que se recorta como objeto a merecer uma contemplação singular ( como acontece, de fato , dentro do próprio romance). À imagem de um espaço deificado, o jardim se apresenta como símbolo do paraíso terrestre, do Cosmo, de que é o centro, ou seja, do Paraíso celestial, representação dos estados espirituais, que correspondem às vivências paradisíacas.

Por outro lado, deve-se considerar que, na expressão ¨sem-limites¨, a presença da preposição ¨sem¨ confluem duas idéias: afirmação e negação, ou seja, afirma ¨não limitado ¨ e a idéia de que o ¨jardim ¨é limitado.

Assim, se a presença do artigo definido junto ao substantivo especifica o espaço ¨jardim ¨, limita -, por outro, vê–se que seu espaço se torna ampliado por uma locução adjetiva ¨sem limites ¨ ilimitado. Daí que a presença da preposição ¨sem ¨, ao mesmo tempo em que evoca, no leitor, a idéia do limite atribuído, normalmente, ao espaço ¨jardim ¨, a mesma expressão rompe com esse primeiro significado trazendo a idéia de ilimitado. É, pois, graças à presença da preposição, na expressão ¨sem limites ¨, que convivem no termo ¨jardim¨, sem que um anule o outro, dois sentidos opostos. É nesse conflito de opostos que se constrói o romance.

Dessa forma, o ¨jardim sem limites ¨re–presenta, metaforicamente, uma realidade criada pela escritura, pois nela tudo se reproduz como objeto caricaturizado. O exagero de símbolos desvela uma arte que tudo incorpora, provocando a massificação que leva à degradação, uma vez que a ênfase na subjetividade foi substituída pela crença na validade universal do conhecimento.

Assim sendo, construindo-se como paródia, o texto possibilita uma prática não usual que se configura como carnavalização, o que provoca a irrupção de caminhos válidos à afirmação de um novo discurso literário; aquele não preocupado em seguir padrões estéticos convencionais e, muito menos, formas lingüísticas preestabelecidas, mas preocupado, sim, em lançar os seus próprios paradigmas, sustentados por uma consciência do fazer literário que passa necessariamente pela linguagem.

As palavras de Leonardo: ¨Um artista só diz até onde quer dizer" (p.26), confirmam a coexistência da determinação ( limites inconscientes ) do dizer e indeterminação ( liberdade do artista ) no controle do seu dizer. Daí o sentido da frase seguinte: ¨Não vale forçar, não vale mesmo forçar!¨ (p.26), embora permaneça no controle do seu dizer, o artista sabe, ao menos em teoria ( tais limites agem no e a partir do inconsciente ), limitado pela linguagem.

Esse jogo de opostos que se articulam entre si – limitado / sem limites; consciente / inconsciente; mobilidade / imobilidade ... – é uma constante no romance de Lídia Jorge.

Tomemos, por um instante, a oposição mobilidade / imobilidade relativa à personagem que se caracteriza pela confluência de vozes em conflito, Leonardo, o ¨static man ¨ citado no início deste texto. Esse personagem, representante do inter – relacionamento teatro – literatura, persegue o desejo de se constituir um grande artista. Para isso, dedica seu tempo ao aprendizado de técnicas de imobilização voluntária, cujo espetáculo é oferecido diariamente em praça pública, no mesmo local em que se encontra a estátua de D. José. Frente a uma estátua que, por si só é arte escultura, o ¨static man¨, ser humano e, portanto, em constante movimento, agride o ambiente com o seu desejo de se tornar ¨estátua ¨.

Nele se aglutinam, alegoricamente, a falta de perspectiva, de identidade, a falta de uma linguagem, coesa e coerente ( afinal expressa-se o tempo todo por frases de efeito, sem sentido ) vozes que caracterizam o mundo moderno. Ao mesmo tempo, aprender a arte de ficar imóvel significa incorporar um outro código, uma outra linguagem – a linguagem visual – daí a presença constante da mobilidade interior e exterior ao ¨performer ¨.

A sua presença perturba a ordem pública, causa rebuliço, provoca ¨dizeres¨ e questionamentos, cria conflito. Tais fatos se exacerbam com a presença de uma faixa que ele mesmo confeccionara com os seguintes dizeres:

¨Desejo Que as Aves Façam sobre Mim o Que Costumam Fazer às Estátuas ¨ ( p. 101 )

Essa frase provoca impacto, surpresa pelo rompimento das expectativas logradas. Afinal, a faixa substitui, pela linguagem escrita, a voz de alguém que, por se apresentar imóvel ( como uma estátua ), não poderia exteriorizar seu pensamento. O verbo ¨desejar¨ na primeira pessoa do singular, ao lado do objeto do desejo: ¨ Que as Aves Façam sobre Mim o Que Costumam Fazer às Estátuas¨ cria o inesperado. É a própria subversão da linguagem e da dramatização, ou como se diz na obra ¨desdramatiza¨.

Não é sem razão que esse anti – espetáculo se faz perante a estátua de D. José ( rei de Portugal , século XVIII ): da mesma forma que a estátua de D. José representa um momento de glória de Portugal, integração à Europa, por ter-se desvinculado da Península Ibérica e aberto seu espaço a outras culturas, o ¨static man¨ significa um momento de abertura à internacionalização, à ideologia da globalização. Vale lembrar que Leonardo se exercita para se tornar um grande artista em Nova York, espaço acolhedor de todas as influências artísticas e culturais do mundo contemporâneo. Lá , Leonardo representaria ¨o¨ Portugal e ¨o¨ português estático, imóvel, voltado para si mesmo, para o próprio passado, para as próprias tradições e, ao mesmo tempo, Portugal moderno, em movimento, aberto a novas tendências, o que se comprova pela utilização, no romance, de termos de outras línguas ( sobretudo o inglês ): ¨static man¨, ¨performer¨, ¨partner¨...etc.

Percebe-se, assim, que o discurso de Lídia Jorge é movido por impulsos contrários, por múltiplas vozes, pela dispersão de sentidos e de sujeitos que se ( des ) cruzam, se (des ) encontram ao longo da narrativa, subvertida pela fragmentação das cenas, das personagens, dos acontecimentos, das artes.

Configura-se, desse modo, uma linguagem polifônica, que desemboca na paródia e na carnavalização. Retomando as próprias palavras da autora, em alguns momentos do romance: ¨O jardim sem limites ¨ é ¨uma floresta transumância¨.




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