O Deserto dos Meus Olhos
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Trata-se de uma narrativa fantástica que não se sustenta no chamado contrato de hesitação, o "quase cheguei a acreditar"; pois não se chega quase a acreditar. A condição de inverdade é regida desde o princípio, quando o narrador se revela inconfiável. O contrato é o da linguagem, das lacunas e das verdades que só se mostram nas mentiras. A construção da personagem está não na ideia de relato empírico, mas nos símbolos da alucinação e da imaginação. Tal qual um campo onírico, na mente de um esquizofrênico isso emerge como algo palpável, mas o estado cindido da esquizofrenia fala também dos sãos, que não precisam viver na consciência essa plena inversão das verdades para descobrirem que suas identidades também se constituem na subjetividade da interação consigo mesmo. Também na sanidade está o eu dividido, o homem pós-moderno fragmentado que não mais acredita em experimentar a descoberta de si na relação com o outro, mas na ensimesmada revelia, num enclausuramento que por excluir o outro, também impede que brote algo além de um ego amedrontado de um vazio desértico. Essa condição fragmentária vive abundante no cidadão das grandes cidades do capitalismo devorador, é epidêmica no novo século, mas é ainda mais íntima das sociedades degradadas do terceiro mundo, que aniquilam a alteridade, como a sociedade brasileira acabrunhada pela nulidade tão bem descrita por Ruffato em seu discurso na Feira de Frankfurt de 2013. O pior resultado desse vazio pós-moderno não é o distanciamento da possibilidade de conhecermos o outro, mas a implosão de nossa própria essência. Tornamo-nos mais do que desconhecidos para nós e para os outros, tornamo-nos incognoscíveis. Esse é Rupert Lang, desterrado, prescrito, exilado de si.
Para brasileiros e para quem conhecer brasileiros em Miami.